quarta-feira, 22 de junho de 2016

"INTERIOR", EXPERIÊNCIA DE ESPECTADOR (Parte I)



Nesse junho de 2016, vi o espetáculo "Interior", do Grupo Bagaceira, na Casa da Esquina, com direção Yuri Yamamoto. Já o tinha visto duas outras vezes em 2014 em dois espaços diferentes, uma delas no Festival de Teatro de Fortaleza. Mas dessa vez fui com minha avó, minha mãe e uma tia. Nas duas outras experiências, eu já havia ficado impressionado com a fluidez do texto e com o fato de as personagens se parecerem com pessoas que conheço. Ir acompanhado com mais duas gerações diferentes de minha família foi uma experiência bonita.

O texto de Rafael Martins é todo ele poesia, um carinho no espectador, que ri, se emociona, pensa na vida, pensa nas pessoas que não estão mais aqui e pensam no futuro... A elegância poética leva a uma delicadeza na condução da cena, o que torna temas espinhosos muito mais leves. Nesse sentido, o texto parece querer sinalizar que é preciso aprender a lidar com as nuances escabrosas da vida da maneira mais terna ou é preciso aprender a conviver com o que não podemos controlar – e nessa tarefa, a ideia da experiência acumulada na velhice é o vetor encontrado pelo dramaturgo para materializar tais assuntos nas personagens que vão se construindo com suas histórias, na interação com o público, tratando de assuntos diversos.


Temas como a proximidade ou a certeza da morte, as perdas ao longo da existência, o não poder fazer retornar ou reviver as pessoas que amamos e que se foram, entre outros vão sendo costurados como se todos estivéssemos participando de uma conversa de cadeiras na calçada. Nesse aspecto, o fato de a peça ser encenada na Casa da Esquina (e esse nome agrega simbologias ao espetáculo) se diferencia dos outros espaços (teatros no sentido mais usual da palavra), pois parece que estamos ali por perto dessas personagens oriundas de cidades do interior (ou de alguns bairros da capital que milagrosamente ainda mantêm a prática das conversas com cadeiras na calçada).

A proximidade e o contato direto e muito próximo com as atrizes (Samya de Lavor e Tatiana Amorim) em cena, trocando palavras, olhares e objetos causaram, pelo menos em mim, a sensação de reviver experiências similares de interação com pessoas idosas, quer fossem de minha família ou da vizinhança dos bairros onde morei. A localização de cada uma das atrizes ladeadas pelo público numa estrutura de arquibancada em central total – duas arquibancadas frente a frente com corredor-palco no meio – favorece um tipo de movimentação em cena em que atrizes e público ficam num mesmo plano, como se todos fossem personagens.

Mesmo o texto tendo seu andamento cênico próprio – amparado no argumento desenvolvido no texto de Rafael Martins, por sua vez amparado na ideia de lembrança, de tempo e de passagem do tempo e tudo o que isso traz à experiência humana –, há um espaço muito interessante para a improvisação. Espaço esse que é preenchido pela competência das atrizes em exercer a sua presença de espírito, não perdendo oportunidades de interagir com o público por meio de elementos diversos: um pedaço de bolo que é distribuído logo de início (elemento da partilha que conduz a uma cumplicidade com aquela encenação, quase uma comunhão com o teatro que ali se inicia); pedaços de papel com nomes de avós escritos pelo próprio público; fotos distribuídas ao público; fotos registradas nos celulares dos presentes; e o próprio exercício do ato de conversar .

Aliás, o apelo aos celulares dos presentes conjuga-se com o cartão de memória de 2 giga mencionado na peça. Esses elementos materiais da contemporaneidade fazem contraponto com objetos que remetem a tempos passados, ao mesmo tempo em que promovem uma tensão (ou provocação do riso) pelo uso de um vocabulário que hoje é associado a um sabor de antiguidade, expressões que são do interior, mas em larga medida são usadas ainda com naturalidade pelos que estão mais idosos.

[continua...]

Miguel Leocádio Araújo

Obs.: A foto foi fisgada do site do Grupo Bagaceira

Trilha sonora (que não é escolha minha, mas reproduz uma das canções que é reproduzida no ambiente antes do espetáculo):

 

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